A cada dia em meu processo de ser
pessoa me dou conta do quanto é difícil ser gente de verdade, como costuma
dizer o filósofo e cristão Fábio de Melo. Se pertencer, ser livre e experienciar
o amor de Deus em tempos de valores tão rasteiros e relações tão superficiais e
frágeis, revela-se constantemente como um desafio à nossa fé.
Falamos tanto em amor e estamos frequentemente
a praticar atos de covardia que professam o contrário. Falamos tanto em
liberdade e nos prendemos demasiadamente aos julgamentos alheios e às
superficialidades infinitas que nos afastam de quem somos de fato.
Não é fácil sobressair-se e não afundar em toda
essa lama. Não é fácil porque às vezes as relações que possuímos e que deveriam
ser justamente aquelas a nos devolver e nos promover, são exatamente aquelas
que mais nos roubam e nos impedem de viver a nossa essência mais pura e
verdadeira.
Se não tomamos cuidado, aqueles que mais amamos
podem se tornar nossos maiores algozes – e o contrário também. Se não ficamos
atentos, na intenção de ajudar podemos junto nos afundar. Se não nos afastamos
um pouco vez ou outra, podemos em algum momento acabar cumprindo o papel de
bode expiatório na vida daqueles que não capazes de assumir a responsabilidade
de seus atos e nem de reconhecer a responsabilidade dos atos daqueles que ama.
Se nos perdemos de vista, podemos chegar ao ponto de nos desculpar pelo tapa
que recebemos, não por uma prática cristã, mas por termos vestido a carapuça de
carregar as culpas e erros todos, como se isso fosse nobreza, ou mesmo amor.
Às vezes o tapa nem é de maldade. Às vezes o
que excede é apenas a imaturidade para amar e viver a legitimidade do que sente
e do que é. Porém, cada ser humano possui o seu processo, as suas escolhas, o
seu tempo. Existem maridos que nunca amarão de maneira genuína suas esposas;
existem mães que nunca serão capazes de promover a liberdade de seus filhos;
existem pessoas que não são amigas nem de si e por isso são incapazes de
estabelecer uma relação de amizade com quem quer que seja.
Esperar de alguém algo que essa pessoa não tem
pra oferecer é um caminho curto e fácil para a decepção. Ser gente de verdade
implica também em ser capaz de identificar situações e pessoas que estão
obstaculizando porventura nosso processo de libertação e de dizer “não” à elas,
sejam elas quem forem.
Não é fácil. Mas sem dúvida, pra mim este é o
único caminho que vale a pena ser percorrido. Sei que a caminhada será por
vezes solitária, mas como diz o ditado: melhor só do que mal acompanhado.